.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

o concreto descurou nossa essência

eles nunca entenderão
também não sei se vou chegar a entender
ao menos já sinto.

e creio ser esse, o primeiro passo para qualquer deslocamento.

as coisas simples me inebriam,
sou feita de velhas misturas,
de tudo que é esquecido.

se ainda resisto, é pela tepidez das coisas,
pelo íntimo afago dos minérios, pela degradação da matéria,
é pela decomposição do que ei de transformar-me

tudo que está aqui
a minha volta,

é matéria cheia
ocupando um espaço
que dissonantemente

poucos enxergam
pouquíssimos tocam.

tornam-se inexplicáveis os meus vazios

enchendo-se de discrepâncias
por coisas que entendo como auge do que é viril

o concreto nos consumiu
descurou nossa essência
cortou nossas raízes

e diariamente,
teima em fincar nossas cabeças
no asfalto mais quente dos últimos tempos.

nos querem assados 
mais queimados que a própria cor,
mais que o sol pode fazer.

sem a mínima diligência
dos estados,
dos estados mais brutos,

parecem viver em tropas
sempre prontos a uma disorexia
do prazer do pouco, do que é ínfimo.

se nós ciarmos para outros lugares
que não seja o da plenitude,
depararemos com a caminhada somente no fim do abismo.

não adianta perfilhar-me, 
se no fundo,

não acessa o que está estampado na minha cara...

se não percebe o cuidado que tenho ao proteger minhas unhas cheias de terra,

se não ouve minha respiração ofegante
por encontrar meus pertences em cantos que não são os que eu havia deixado...


tudo agora

que está fora do lugar,
me causa desnudamento.

me deixa frágil.

não me sustento mais aqui.
sufoco com tudo a minha volta.

não há de durar!

tudo que me é, aqui, de estrutura arguta
hoje morre nas mãos insensíveis dos que achavam ser
familiares meus.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

O louco do tarô

Peregrino no encanto abominável das formas,
mensageiro do essencial de mim mesmo,
desdenhando os sonhos do pensar
faço de todos os caminhos, meu caminho.
Folha seca que num suspiro do tempo
vem conceder esperança às fogueiras;
calafrio que torna verde os lábios das fêmeas
e violeta o membro que penetra seus mistérios.
Som que se desliza entre o badalo e o sino.
Serpente que rasteja na rocha
sem deixar rastro,
mistério insondável da primeira origem,
sonho que sonha,
abundância invisível,
todas as minhas horas são sempre hoje.

Vou ao essencial, ao centro do mundo,
e entre o vazio que separa os números,
me expando até as dez direções
para encontrar meu significado profundo em qualquer lugar.
Deixo sempre que as circunstâncias decidam
porque sei que sou eu mesmo quem as cria.

Me apodero das mil coisas ao me entregar a elas,
e quando caminho aqui, também faço isso em outros mundos.
Sem princípio nem fim, mais velho que a noite e o dia,
mais jovem que o menino recém nascido pelo cosmos,
mais brilhante que a luz e mais escuro que um abismo.
Sou o fogo que arde no centro da mente.
Quem se atreve a me definir?
Com meus sapatos vermelhos borro todas as fronteiras.
Não me enquisto, não me escondo, não me fujo, não me diminuo.

Como as nuvens, sem cessar, me transformo.
Quando acaba o sonho da separação
sou o mesmo de antes e o mesmo de depois.

Sou a palavra secreta guardada em cada pedra.

Vou ao germe, a espiral do crescimento
na dança de pelos do organismo que declina.
Eixo invisível de tudo que gira,
sou a loucura sentada na língua de um sábio,
a vítima no lobo, o ladrão no juiz.

Fujo das palavras porque são só memórias,
ainda que meu silêncio as sustentem.

Sou o conteúdo que escapa das formas,
o terreno onde germinam as estrelas,
a indizível Verdadeira raiz da Beleza,
resplendor que denuncia a minha ação invisível
agregando à demência do impensável;
ao objeto que esconde cada palavra
e a palavra que esconde cada objeto.

Sou o voo antes do nascimento do pássaro,
a música sem músico, o tempo sem arquiteto,
o assobio que precede a espada,
o coro celestial dos vermes
já inscrito no corpo que nasce,
os gestos ordenados no espaço futuro
criando os atalhos por onde passará o dançante,
a caída que há de dar significado ao muro,
o beijo que faz nascer todos os lábios.

Em meu abismal, a energia do pensamento perde limites.
Diante de qualquer proposição, abro o leque
dos múltiplos contrários,
o furacão que passeia entre as tumbas,
o pântano onde se fundem os cimentos da razão
para produzir a flor indiferente
que se entrega a arriscada alegria do momento,
surgindo como um sapo voador de um lago infinito.

Às vezes, me seguem fugazes recordações que deixei para trás, incessantes em mim,
por não ter perdido a primeira inocência,
ali onde não existem qualidades nem reputações nem leis nem nome nem sexo nem idade nem país nem tradição
nem história.

Sem me preocupar, deixo entrar em mim mesmo
os inumeravéis aspectos do meu ser.
Nado contra a corrente até chegar a fonte
onde meu último passo se submerge ao começo.
Sem rechaçar a complexidade voraz do mundo,
no meio das dez mil coisas,
sou um eixo único.
Diante do que brilha, me estendo como sombra.
Os abismos sombrios me convertem em vagalume.
Espectador em chamas, desintegro as estruturas da ilusão,
observando o mundo como um espetáculo vazio.
Aquilo que busco encontrei faz mil anos.
A pressa, como um cachorro fiel, me persegue.
Espaço é meu corpo infinito e Tempo o que a mim, me sucede.

Dissolvo na consciência o digno Criador.
O universo, então, me aparece como um filho único.
Olho a todos os seres e as coisas com amor de pai
e é intensa minha ternura pela existência efêmera.
Nada começa, nada termina, nada nasce, nada morre.
Sei que ao lançar uma pedra até o remoto confim
ei de vê-la chegar um dia a palma da minha mão.
Tripulante do sonho, não temo ao despertar.
Não sou peixe envaidecido que ao saltar da água,
se pensa dono do céu.
Reconheço que só sou uma parte ínfima da engrenagem oceânica
e aceito com amor, sacrificar minha figura ilusória
para que o coração da luz se abra em uma rosa de fogo.

Do meu pensamento não fica mais nada que o perfume,
porque as palavras antes que a música, foram aromas
e meus passos, o ritmo bruto da ausência de esquema.
Sou o que sou, amo como amo, desejo o que desejo,
estou onde estou.
Centrado na fonte da vida, sou aquele que nunca dorme,
como uma chama de ouro em um vaso de cristal sem fim.




Alejandro Jodorowsky

quarta-feira, 5 de junho de 2013

pedra bruta

meu coração palpita - não deixa de estar acelerado -
em meio à confusão e a abstinência do que é inteiro.

pareço procurar amor em tempos de guerra;
a guerra passa em mim,
dos anseios e do medo, o que me sobra é o sorriso pela metade
e os olhos fundos de desconcerto

não entendo nada que contemple algum tipo de necessidade,
mas sinto algumas necessidades
e já não as sei controlar
não sei guarda-las dentro.

eu sou reflexo delas
e elas, espelho de mim.

virada ao céu,
a única tempestade que me cabe
é a imensidão e a tentativa de imersão
no infinito

onde o céu é parte das estrelas
e as estrelas se sabem tão luminosas quanto o sol

vire e mexe,
nessas caixinhas que ainda ouso cumular
encontro sensações perdidas,
desejos não alcançados, que guardei com tanto afeto,
que se multiplicaram feito pragas;
sem sol, sem água, sem alimento nenhum

as coisas aqui só crescem,
e já não sei podar o que não deve crescer tanto

ando esguia, 
tentando passar por caminhos tão tênues
quanto os buracos que os carunchos cavam nas sementes;
só que não deixo pó como resquício,
tenho deixado partes do meu corpo,
que descompassadamente,
encontro vez ou outra pelos cantos.

deixo partes da minha saúde
que de forma incontrolável, tem se mostrado tão frágil
quanto à flor de gloxínia.

da contenção ao caos

o que tenho feito
parece não passar de

evocar em cada copo de água que bebo
a sede do deserto.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

desvio


um dia quanto eu estiver inteira,
talvez eu escreva sobre a insegurança
que me falha
toda vez que nos olhos de outro
parece existir um porto;
ser inteira não deve ser um privilégio de muitos,
eu nem com sortilégios
e marés de velas
tenho conseguido;
meu erro está na mente
que mente e atua
como uma folia passageira.
eu preso a memória, mas não a adentro
por isso me vejo embicada em vazios cheios
em redundâncias remotas.
ainda trocando as máscaras
pulando fases...
desde criança salto os muros,
não me encontro nas passagens corriqueiras e cotidianas.
não abro portões, não fecho janelas.
sinto que vivo um eterno desvio
por isso a dificuldade em aprofundar em mim
e no que acredito serem extensões mínimas, mas minhas.
crio histórias em que me burlo.
acredito friamente nas minhas mentiras
e no fundo, morro de medo dos meus devaneios,
deveras
severos
que são.
intrínseca foi uma parte longínea da minha construção,
que parece ter desconstruído
todo aquele império em que eu habitava.
fui criando cascas,
veladuras,
só para não sofrer nem sentir
qualquer alfinetada.
fui envergando-me
em meio a esta abstração de condutas
(impondo; impostas; em compostas)
lançar-me na fogueira por me sentir crua?
a vida parece não passar de um espelhismo
onde acreditamos nos reconhecer nas coisas
sem perceber
que as coisas é que se reconhecem em nós.
narciso não se viu
mas acreditou que seu suposto reflexo,
em movimento,
o levaria para alguma queda
mais importante
que os pés na terra
longe das margens,
distantes das curvas
onde param as coisas que não aguentam
serem levadas junto à correnteza
narciso quis o fluxo
não sua própria imagem.
eu pairo
nem imagem
nem fluxo
desvio de toda aproximação do eu

 enquanto me perco
            tateando o mundo

      intimamente compreendo
               as coisas que 
            não deveria tocar