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terça-feira, 23 de dezembro de 2014

carta para passarinho voar


Não, não aguentei. O choro já tinha sido contido inúmeras vezes. Às vezes é preciso deixar chorar, deixar chover. 
E ao estar só, deparo com a imensidão contida na existência – sua, minha e de muitos nós que foram se atando, imprevisíveis pelo caminho.

Se for de barco, a braçadas, ou com as solas mais desgastas que estiver nos pés, apenas vá. Você é o motor, seu movimento interno nunca vai cessar. Dê partidas, pegue no tranco, se precisar empurre. O movimento é seu, você quem faz.

Da engrenagem que te movimenta surge às ondas, então as procure, as provoque e as viva, passarás por quantas quiser e precisar. Aproveite as tormentas, pois elas lhe mostrarão ainda mais direções. Não se assuste com a agitação, mesmo que doa e que lhe de medo, ela estremece, mas indica muitas outras possibilidades.

As coisas só se revelam em sua totalidade quando percebemos e acessamos a tamanha beleza delas. O desnudamento é partida. Você sempre foi chegada. Transforme isso e o que mais compreender importante. 

Se mantenha inteira ainda que pelo caminho divida suas partes. A cada pedaço doado, outro broto crescerá diante dos teus olhos brilhantes. Quando perceber já terá afetado todo caminho, deixando rastros e carregando memórias que não se findarão. Que não cairão no esquecimento.

Nas ondas os barcos se balançam, vão um pouco pra frente, voltam um punhado pra trás, vão muito pra frente e um pouco pra trás. Até chegar ao meio, até alcançar o outro lado. Adormeça em sua ilha, aproveite o valioso silêncio dela, e, se precisar volte ao cais.

Não se recuse em ficar só se a companhia não corresponder à sua tamanha dimensão. Não se esqueça do poder da respiração. E onde estiver, execute todas as peças guardadas dentro desse peito de passarinho. Conheça suas pequenas asas, pois nelas reconheço plenamente sua maestria.

.Através do meu coração passou um barco, que não para de seguir sem mim, o seu caminho.

Ainda que hoje a latência da sua ausência me confunda inteira, sei que cantarás, encantará passarinhos e que com eles, voará.
Voe. Voe. Voe. Voe. Voe. Voe. Voe. Voe. Voe!



Evoé.

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Esse amor interrompido
Corrompido pelo
Crime
íngrime tempo desajustado

Que maldade tudo começar 
Assim
Meio trapo
Meio fardo
aos farrapos

Desse amor
Só um punhado de asas
A orquídea roubada
E o incenso artesanal
Que acabou rápido

da nossa pitanga
deu amora
ainda sobra espaço
lá fora

da maresia nem saudade
restou a vontade
o quintal vazio
o espinho
dos cactos
das rosas
e do que não
foi

a finco
no fundo
com tudo
lá dentro

domingo, 14 de dezembro de 2014

claridade

cantar nada mais é
que sobrevoar o mundo
interno

é assentar em si


cantar é como nascer

é como rio que passeia
é como Clara
que clareia

é mar instável

corda nenhuma 
segura

é uma maré calma

as vezes (a)tormenta

cantar nada mais é

que dar-se
evocar
para si
forças outras

palavra

cantiga
reza

quando se canta 

o fundo
acessa


da boca
a palavra sai

mas é a voz que

toca 
o mundo





domingo, 28 de setembro de 2014

o silêncio é parte da fala
a fala parte o silêncio

na falta de ar
o silêncio é preenchido 
por água salgada

a água salgada
está carregada de dor

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

pro seu amanhã ser


quanto tempo faz que não nos vemos, flor?
já passou muito alastrou-se a dor
        no peito
        no inverno 
        no mais profundo amarelo
o que é terno?
o que é  o eterno?

tempo,

disse ele
não fosse tanto era quase
não fosse isso era menos


e o amortecido..

e o amor ter sido,
passado,
esquecido,

no pretérito 

mais-que-perfeito

hoje,

ainda sinto desejo
de escolher de novo
e à dedo

às flores pro seu amanhecer

às flores pro seu amanhã ser


sexta-feira, 30 de maio de 2014

equinócio


Sempre deve ser um exercício ouvir o coração rasgando. Rasgado em pleno acelero e perigo.
Apareço em épocas de desordem, silêncio e desejo.
Temos medo. Nó atado.
Temo por sempre ter sido escrava da adrenalina, da soltura dos olhos, do bater das asas.
Mas de que vale asas se não voar?

Os processos sempre dizem sobre eles mesmos. Não estar junto nunca foi fado.
Acredito no tempo como um agente. Controlador das mudanças, das pausas, dos assentamentos. Existe sim algo que controla e prevê a chegada das tempestades.

Saudade. Isso existe só na nossa língua.
Às vezes estamos no limbo, Noutras, no júbilo.
Nossa memória é o próprio descontrole da vida nas mãos. Também faz parte todo esse altruísmo do esquecimento. 
A dificuldade de sobressair o puro. 
Deixar a sujeira realmente abaixo dos pés, dos olhos, nos contratempos.

Nunca saberia escrever e peno toda vez em dizer.
É difícil descer do trem, em seguida tornar a subir, e felizmente, sentar no mesmo lugar.
Mas já dizia um poeta que os vagões e o destino mudam e tudo está em movimento... 
que não nos movemos de nós mesmos.

Amadurecer e ter clareza são dificuldades valiosas.
Só quem passa com plenitude pode chegar a reconhecer com fulgor.
Sem desengano da vista - quem de perto está vendo, vê melhor.

Fiquei confusa. Estou.
O calor da noite ainda dorme em mim.
Tenho medo de somente reagirmos às coisas ao invés de agir.
Ser. Estar.

Estar no caminho não é estar próximo do destino.
É tentar ir. Perceber. Prosseguir.
No decorrer de cada viagem encontramos motivos para continuar magnanimamente.

Sim, precisamos ter diligência.
Mas o encontro das línguas não deve ser contido pelo aperto adormecido.

Pela verdadeira essência e odor dos dias claros:

Quero o toque mais profundo. A respiração mais intensa.
O suspiro que anda guardado. As lágrimas que ainda não cairão.
Todo oceano que já foi despejado.
O conhecido. O novo. E principalmente, o que ainda não acessei.

Nunca vai ser igual. 
Nem devemos buscar alicerces ultrapassados.
Estrutura nunca se constrói sozinho. 
Nunca é igual.

Podam as árvores, cortam os troncos até o talo.
As raízes agora precisam ser cuidadas com muito zelo
para continuarem vivas.

Isso é fato. Nunca nos apagaremos. Não somos estrelas. 
Mas a cada não tentativa, vamos perdendo o brilho, a força, o fôlego.
Tentar não é forçar. Portanto, estamos longe de uma só resposta, explicação, vontade.
Tentar, neste momento, é sentimento.
Querer.

Sei que preciso modificar muitas formas nas quais busquei me moldar. 
Creio que a vida seja um eterno ofício de escultor:
Esculpir, lixar, moldar, rodar, tatear, encontrar o equilíbrio.
É preciso escavar as coisas e as memórias delas.
Adentrar.
A estrutura. O rio. A pedra. O eu.

É preciso conhecer o interior.
O oco e suas texturas.

Estamos suficientemente envergadas. Hastes que qualquer brisa verga.
Sempre a balançar.
ainda que eu não dance junto e no ritmo dela,
Sinto.